Executivos investem no networking em clubes de leitura

Objetivo dos encontros virtuais é analisar livros de administração e negócios e trocar ideias

Por Barbara Bigarelli — De São Paulo

Data da publicação: 12 de dezembro de 2020

“Todas as famílias felizes se parecem, cada família infeliz é infeliz à sua maneira”. É essa frase de

abertura do romance Anna Karenina, que o conselheiro Thomas Brull se recorda para explicar sua

reconexão com a leitura na pandemia. “É uma frase provocativa, que me remeteu diretamente ao meu

trabalho em governança corporativa, um livro que fala sobre visões diferentes de mundo”, diz Brull, que

também é professor do IBGC e da Fundação Dom Cabral.


Nos últimos meses, ele seguiu o conselho de um amigo médico, mergulhou durante quatro meses

no clássico de quase mil páginas de Liev Tolstói, conseguindo um refúgio diante do isolamento social e da

incerteza que a pandemia impôs. Mas a reconexão literária não parou com o escritor russo. Brull

participou de iniciativas virtuais para debater obras de negócios. Entre elas, o clube de livros da KPMG.

Desde setembro, a consultoria vem promovendo encontros virtuais mensais entre executivos

para discutir estratégia, cultura corporativa e gestão de risco a partir de livros como “Cisne Negro” de

Nassim Nicholas Taleb, passando pela “Miopia Corporativa” de Richard S. Tedlow, até “A Regra é Não ter

Regras”, de Reed Hastings e Erin Meyer. Cada encontro, de uma hora de duração, reúne até 15 executivos.


“Foi uma forma que encontramos de manter conexões no mundo virtual e criar um momento para relaxar

em meio à agenda lotada de reuniões, com um call atrás do outro”, diz Rafael Piccolo, sócio-diretor da

KPMG e idealizador da iniciativa. Antes de cada encontro, ele envia um material sobre a obra a ser

analisada, mas não existe a necessidade de todos “estarem na mesma página”. “Não é preciso ter lido

tudo para participar e a gente também não gasta o tempo juntos lendo o livro, como em um clube de

livros tradicional”, diz Brull. É mais como se fosse um networking literário.


“Criamos um ambiente onde as pessoas podem se despir de suas armaduras corporativas e se

conectar umas às outras no mundo virtual”, diz Piccolo. É por essa razão que ele disse ter mudado o

escopo das obras analisadas, já que a KPMG promovia antes da pandemia encontros presenciais para

conversar sobre livros, mas com obras fundamentalmente técnicas. Entre os integrantes do encontro

focado em “The Culture Map”, livro de Erin Meyer que explora as diferenças culturais como desafio para

profissionais que atuam em times globais, estavam presentes um executivo alemão e uma executiva da

Angola, da KPMG.


“Usando o livro como base, falamos sobre desafios de trabalhar com profissionais de outros

países. E foi quando o executivo alemão disse que um dos momentos mais marcantes em sua carreira foi quando foi dar um feedback para um profissional e ele chorou. Ele ficou sem entender nada”, diz Osana

Mendonça, sócia líder de solvência de KPMG e participante do clube. Em “The Culture Map”, a autora fala

sobre como determinadas culturas, como a brasileira, são mais relacionais e veem uma crítica como um

atrito, enquanto outras, como a alemã, até encorajam o feedback negativo direto.


Osana diz que é leitora voraz e, no começo do ano, terminou os livros do historiador israelense

Yuval Harari e, mais recentemente, aderiu aos e-books, comprando livros sobre recessões e a crise de

1929. Mas, nos últimos meses, sentia falta da troca de experiências que conversas sobre livros podem

gerar. “Desde que a pandemia começou, a rotina ficou pesada para todos e, no home office, minha vida

tem sido sair de uma reunião e entrar em outra. Ter um encontro virtal para descontrair, ao mesmo tempo

que falamos de algo que agrega valor, foi importante".


Desde setembro, o clube da KPMG já realizou seis edições e, no total, 55 executivos participaram.

Entre eles, funcionários da liderança da consultoria e profissionais inscritos nos cursos da Risk University,

programa de capacitação executiva da consultoria. Brull gostou tanto da experiência que levou a ideia de

discutir “A Regra é Não Ter Regras” para as aulas de seu curso de formação de conselheiros no IBGC.

“Falamos se é possível aplicar as práticas aqui e se nossa cultura permite um feedback mais sincero”,

disse.


A demanda por esse tipo de experiência, de usar livros para desenvolver novas habilidades e

promover a troca de conhecimentos, levou a TAG a antecipar o lançamento de seu terceiro clube de livros.

Idealizado para 2021, o Grow Livros foi lançado em agosto e envia, todo mês ao custo de R$ 64,90, um

livro de negócios. O clube já atingiu 2 mil associados, que receberam nos últimos meses “O Poder dos

Momentos” de Chip e Dan Heath, “Empatia Assertiva” de Kim Scott, “Por que os generalistas vencem em

um mundo de especialistas” de David Epstein e “Minimalismo Digital” de Cal Newport. “Temos atraído

um profissional que está em ascensão na carreira, mas também há associados que são diretores de

empresas”, diz Gustavo Lembert, cofundador da TAG.


Ficar só no envio da obra em si, contudo, não foi o que fez a TAG crescer nos últimos anos, atingir

cerca de 60 mil associados (sendo 15 mil conquistados este ano) e um faturamento previsto de R$ 41

milhões em 2020. A empresa investe na criação de uma experiência em torno da obra e, no caso da Grow,

envolve o envio de uma revista onde os conceitos de liderança, gestão e administração são aprofundados,

inclui o resumo da obra e dicas para aplicar os temas na prática profissional, além dos “Mastertalks”,

entrevistas em vídeo com executivos. Já participaram delas Paula Bellizia, ex-CEO da Microsoft Brasil e

hoje VP do Google, e Luis Justo, CEO do Rock in Rio.


Para Lembert, a pandemia motivou a demanda por livros e por novas formas de capacitação, mas

o desafio de seu negócio permanece o mesmo. “Hoje temos muita concorrência pela atenção das pessoas

e falta tempo para a leitura, com as obras se acumulando. Este é um dos principais motivos que levam as

pessoas a saírem de um clube”.

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